85% dos servidores estão em risco de adoecimento mental, aponta pesquisa do CNMP

A Comissão de Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público (CES/CNMP) divulgou o relatório final da pesquisa “Atenção à Saúde Mental de Membros e Servidores do Ministério Público: Fatores Psicossociais no Trabalho no contexto da pandemia de Covid-19”. O estudo, de cujo 82,3% dos respondentes são servidores, identificou índices preocupantes de assédio moral e violência psicológica no trabalho, sobrecarga de demandas e risco de adoecimento mental.

Uma proposta de resolução para estabelecer a Política Nacional de Atenção Continuada à Saúde Mental no âmbito do Ministério Público Brasileiro foi apresentada pela então conselheira e presidente da CES/CNMP, Sandra Krieger, em outubro deste ano, após a divulgação dos primeiros dados da pesquisa.

Ao todo, a pesquisa teve 4.077 respondentes. Quase a totalidade da amostra (86,5%) atua no Ministério Público Estadual e 82,3% são servidores. 

A coordenadora executiva da FENAMP, Erica Oliveira, ressalta que os achados da pesquisa são fundamentais para a implementação de uma política nacional de enfrentamento e prevenção e destaca que o estudo será tema central no Encontro Nacional dos Servidores do MP de 2021: “Teremos importantes nomes expondo sobre o tema em nosso Encontro, inclusive sobre a Proposta de Resolução nº 1.01302/2021-45, que está tramitando no CNMP”.

Riscos Psicossociais e Fatores Protetivos 

O estudo mapeou situações e comportamentos dentro da instituição que podem funcionar como riscos psicossociais para o adoecimento ou fatores protetivos. Para os servidores, questões relativas à organização do trabalho, “cujo ritmo, prazos e condições oferecidas para a execução das tarefas foram avaliados como elementos críticos, com destaque para o número insuficiente de colaboradores para a execução das tarefas”, destaca o relatório.

Juntamente com essas questões, aparece como predominante o esgotamento mental, “que se caracteriza por sentimentos de injustiça, desânimo, sobrecarga e desgaste ou cansaço pelo trabalho, somado à falta de autonomia e baixa participação nas decisões sobre o trabalho”.

A pesquisa ainda identificou o predomínio de uma gestão centralizadora, com valorização da hierarquia, com forte sistema burocrático e alto controle do trabalho, o que também foi avaliado como um risco. 

O esgotamento mental e a organização das tarefas apareceram de forma entrelaçada e a equipe responsável pelo estudo identificou elementos da organização do trabalho que operam diretamente na produção do esgotamento como risco psicossocial, tais como: a pressão, o controle, a distribuição desigual de servidores, os prazos exíguos para a realização das tarefas e o excesso de atividades. 

“Nos fatores psicossociais avaliados, preponderou o risco médio, que aponta um estado de alerta e a necessidade de intervenções a curto e médio prazo”, alertam. 

Como fator protetivo, o sentido do trabalho, sobretudo no que diz respeito à função do Ministério Público na sociedade, foi o maior destaque.  O sentido do trabalho correspondeu a 55,60% das respostas, incluindo: impacto social, realização pessoal e autonomia;

Violência Psicológica e Assédio Moral no Trabalho

A pesquisa identificou índices alarmantes de comportamentos que configuram assédio moral e violência psicológica no ambiente de trabalho. Como mostra o relatório, 50,1% dos respondentes assinalaram ter sido alvo de atos hostis considerados assédio moral, 27,1% sofreram violência psicológica no trabalho e somente 22,8% responderam negativamente para ambos.

15,3% dos servidores citaram que os atos considerados hostis foram praticados por superiores hierárquicos, como subprocuradores, procuradores, membros, assessores e “chefia”; 6,3% por subordinados e colegas e 1,9% por colegas. Ainda 17,2% dos participantes disseram que ele e “vários colegas” eram vítimas de assédio. No total o número de servidores que declarou algum tipo de assédio foi de 2.378.

Além disso, 43,6% responderam que já presenciaram situações de assédio moral. Os efeitos negativos, nesse caso, recaem também sobre quem testemunha a situação abusiva: “os servidores referiram tais sentimentos e fatos como repercussão (por ordem decrescente de frequência): tristeza, revolta, impotência, medo, indignação, raiva, ansiedade, desânimo, frustração, desmotivação, depressão, adoecimento, constrangimento, angústia, pânico, estresse, descrença na instituição, insônia, choro, repulsa, mal-estar, perda de cabelo, enxaqueca, sensação de humilhação, sensação de injustiça e comportamento passivo-agressivo”, relata o estudo.

Risco de Adoecimento Mental

A pesquisa revelou um cenário preocupante em relação aos riscos de adoecimento mental e ao desenvolvimento de Transtornos Mentais Comuns (TMC) entre os integrantes do Ministério Público Brasileiro. Como mostra o relatório final, 85,6% dos participantes encontravam-se em risco. Já no grupo de servidores, verifica-se 85% de risco para TMC.

Para os pesquisadores, os números se relacionam com fatores que vão além do trabalho, e têm muito a ver com a situação de pandemia vivenciada desde o ano passado. “Entende-se que os percentuais são altos e preocupantes, todavia, convergem com estudos realizados durante o período da Pandemia de Covid-19, que demonstram os impactos da pandemia e consideram as incertezas as instabilidades sociais, políticas, de trabalho e de saúde advindas do peculiar contexto”, argumentam.

O risco para ideação suicida também foi avaliado entre os participantes. Do total, 6,7% relataram que já tiveram, em algum momento, a ideia de acabar com a vida. “Esse dado é relevante e faz necessário que as equipes de saúde — biomédica ou biopsicossocial — criem estratégias de enfrentamento para essa situação, considerando os protocolos já validados pelas organizações de saúde para prevenção do suicídio, em especial o desenvolvido pela OMS”, alertam os estudiosos.

Gênero e Saúde Mental

Os riscos à saúde mental se expressaram de forma diferente entre homens e mulheres no estudo. O gênero feminino apresentou maior incidência de assédio moral autorrelatado, maior conflito entre trabalho/família e maior conflito entre família/trabalho e maior nível de estresse por conta das demandas de atividades, o que indica que o ritmo e a carga de trabalho aumentaram na pandemia. As respostas descritivas também pontuaram que o gênero feminino se sente com maior sobrecarga pela dupla jornada de trabalho e pela falta de redes de apoio.

Já entre os homens, pesaram questões como a divisão social (relacionada à comunicação, autonomia, avaliação e participação no trabalho), falta de sentido (improdutividade e desmotivação pelo trabalho), esgotamento mental (trabalho cansativo e desgastante), e falta de reconhecimento (sentimento de desvalorização do seu trabalho e de exclusão do planejamento das tarefas e convivência mais difícil com superiores e colegas). 

“Esses resultados sugerem que o gênero masculino tem se mostrado mais insatisfeito com as questões relacionadas às atividades de trabalho dentro da instituição, o que também tem gerado cansaço e esgotamento mental por essa avaliação mais negativa do trabalho”, aponta o relatório.

Sugestões da Equipe

A equipe responsável pelo estudo fez uma série de recomendações para que o Ministério Público possa diminuir os índices de assédio moral, violência psicológica e risco de adoecimento dentro da instituição. Para os pesquisadores, é importante implementar políticas que visem: fortalecer os fatores positivos do trabalho, estabelecer políticas de prevenção e gerenciamento dos riscos psicossociais no trabalho, implementar políticas de gestão participativas e o enfrentamento dos riscos, prevenção e promoção de saúde. 

“Apontou-se, ao final da pesquisa, as bases para o desenvolvimento de políticas de prevenção aos riscos psicossociais e de reforço aos fatores protetivos, que são elementos importantes para subsidiar a Política Continuada de Cuidados com a Saúde Mental dos integrantes do MP”, finalizam os pesquisadores.

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